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Os fracassos da vida

Fracassei.

Na última postagem, eu falava da venda do carro e do mergulho na bicicleta. Não consegui vender o carro, não tive coragem de encarar o trânsito de bicicleta.

Fracassei, como em outras coisas na vida. O carro continua lá, contra a minha vontade, e também não tive força de vontade pra insistir, procurar uma revendedora, colar um "vende-se" no vidro traseiro.  Acabei usando umas vezes mais, por conveniência, ou simplesmente pra justificar o fato de mantê-lo na garagem, ou pra não deixá-lo morrer de vez. E o resto fiz a pé, de ônibus ou de carona. Resumindo: o discurso não deu na prática.

O grande problema não é o fracasso em si, mas como a gente lida com ele. Lá no fundo, fico muito incomodada em manter o carro na garagem. Tomar uma decisão e não conseguir cumpri-la gera um sentimento de frustração constante, que lateja. Vale pra tudo. E nos últimos meses, tudo tem sido bastante coisa.

Tempos de crises. No plural mesmo. Crises globais - a econômica, a política - e particulares - a familiar,  a profissional, a existencial, a dos 30, a dos 40. Sabemos que cada crise tende a criar uma ruptura. Rompemos com os antigos sonhos para acolher a realidade, ou rompemos com a realidade para resgatar antigos sonhos. De um ou de outro jeito, recomeçamos. Como nem sempre - quase nunca - conseguimos fechar pra balanço, o balanço acaba sendo feito junto com o recomeço. Não dá tempo de criar duas etapas separadas: elas se mesclam, e fazemos as escolhas e vivemos as consequências ao mesmo tempo. Em função das consequências, as escolhas se refazem, e geram novas consequências, e por aí vai. Assim é a vida, mas em geral num fluxo mais sutil. Crises não são nada sutis. Elas machucam, apavoram, desequilibram e nos empurram para o enfrentamento.

Quem passa por uma crise enfrenta a si mesmo, acima de tudo. Encara seus medos, seus sonhos, suas falhas, seus arrependimentos. Aos poucos, o sufocamento inicial vai dando lugar à coragem que parecia impossível, e dela nasce a serenidade diante do novo sentimento de insegurança madura, aquela que a gente aceita, e não aquela que nos paralisa. Porque a segurança plena é uma ilusão.

Não é o caso, no entanto, de desafiar a corda bamba. Mais uma vez com a imagem do equilibrista passeando na memória, vejo a necessidade de respeitar o risco, aceitar a incerteza. Sem render-se a ela, dar-lhe as mãos, como a um aliado. Talvez em algum momento ela nos abrace, e façamos as pazes com tudo que nos parece tão fluido, tão fácil de escapar pelas mãos. Porque poderemos entender a beleza do que não conseguimos controlar, possuir e nem mesmo rejeitar.

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