Pular para o conteúdo principal

O movimento minimalista e a educação

Muito se fala atualmente sobre um movimento minimalista, não no contexto artístico e literário, mas como uma espécie de sociedade alternativa que vem se desenhando em fuga aos apelos consumistas e narcisistas do zeitgeist. Em minhas tentativas de adesão ao minimalismo, fica evidente a dificuldade de inserção na sociedade consumista padrão quando se deseja afastar-se do supérfluo e do culto ao exagero.
Perguntarão quem sou eu pra fazer tão atrevida análise, mas suponho que a história ajude um pouco a entender tal dificuldade. Em diferentes épocas e por não tão diferentes razões, as nações viveram tempos de escassez. Quando a crise passou, todos buscaram - e buscam - a abundância. Crise ainda há, certamente, mas mesmo - e principalmente - aqueles que a enfrentam acatam e pregam o "quanto mais, melhor".
Experimente oferecer um jantar e minimizar o cardápio: ao invés de comida à vontade, uma porção por convidado. Experimente ter apenas duas camisas e revezá-las no dia-a-dia. Experimente comer menos quando puder comer mais. Experimente ir de ônibus apesar de ganhar o suficiente para ter e manter um carro.
Tais atitudes costumam despertar a ira dos seus convives. Ninguém se conforma com a decisão de ter menos quando se poderia ter mais. O que está em jogo neste dilema é um direito que vem sendo cada vez menos compreendido: a liberdade. Sempre procuro elucidar meus alunos a respeito da consciência da própria liberdade: você só a terá se souber usá-la. Penso que grande risco se corre quando se usufrui de uma grande oferta que se impõe sem questioná-la.
Trocando em miúdos, liberdade é ter escolha ou escolher?
Presenciei recentemente o protesto de um professor contra a logística dos restaurantes em um evento promovido sob o tema da sustentabilidade. O professor apontava para a discrepância entre o discurso - o da sustentabilidade - e a prática - o restaurante que cobrava um preço (alto) fixo para se comer à vontade. Clama-se pelo racionamento e incentiva-se a gula. 
Concordo com o professor, em termos. Explico-me. Para a maioria dos problemas, vejo a educação como solução. Comer à vontade não precisa ser sinônimo de comer mais do que o necessário. Para que não incorra no exagero, o alimentante precisa ter sido educado para saber escolher o que e quanto comer. Por outro lado, é fato que a oferta de comida à vontade fatalmente levará ao desperdício, sem contar outras implicações deste modus operandi sobre a qualidade do alimento. 
Em todo caso, há que se pensar melhor no papel do educador. Só é livre aquele que tem critérios para refletir e atuar sobre sua liberdade, e tais critérios são adquiridos por meio da educação. Seja um livro, uma biblioteca, um computador com acesso à Internet, um professor, uma escola ou uma família, o sujeito que ensina tem o dever de fornecer informação suficiente para que o sujeito que aprende seja capaz de construir seu conhecimento e guiar suas próprias escolhas em favor de um mundo melhor, mais justo e harmônico, e não em favor de benefícios individuais e imediatos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os fracassos da vida

Fracassei. Na última postagem, eu falava da venda do carro e do mergulho na bicicleta. Não consegui vender o carro, não tive coragem de encarar o trânsito de bicicleta. Fracassei, como em outras coisas na vida. O carro continua lá, contra a minha vontade, e também não tive força de vontade pra insistir, procurar uma revendedora, colar um "vende-se" no vidro traseiro.  Acabei usando umas vezes mais, por conveniência, ou simplesmente pra justificar o fato de mantê-lo na garagem, ou pra não deixá-lo morrer de vez. E o resto fiz a pé, de ônibus ou de carona. Resumindo: o discurso não deu na prática. O grande problema não é o fracasso em si, mas como a gente lida com ele. Lá no fundo, fico muito incomodada em manter o carro na garagem. Tomar uma decisão e não conseguir cumpri-la gera um sentimento de frustração constante, que lateja. Vale pra tudo. E nos últimos meses, tudo tem sido bastante coisa. Tempos de crises. No plural mesmo. Crises globais - a econômica, a polític...

Variações do mesmo dilema

Te beijo a nuca sempre que te vejo E nunca sei se paro ali ou começo de novo Do começo que foi seu queixo Mas aí sua boca me chama  E eu lembro o quanto me faz feliz  Quando ela fala Porque ela fala todas as palavras Que eu sempre quis ouvir E se abre num sorriso Que chama a minha nuca pra dentro dos seus lábios E é então que recomeçamos Pra dar à paixão Uns goles de amor Que às vezes de tanto  Transborda pelo copo e confere ao corpo A impressão de ser alma E de ser uma só Porque é a minha que não quer mais Viver sem a sua.

Sobre duas rodas (ou nenhuma)

Prestes a me livrar do meu carro, comprado em infinitas prestações de um valor que eu não podia pagar, porque julguei necessário em um determinado momento da minha vida pra atender às pressões do mundo que anda a 100 km/h. Por quatro anos usufruí do (suposto) direito de ir e vir que o carro proporciona. 50 mil quilômetros rodados. Feliz da vida, vendo o pretinho básico, como costumava chamá-lo, por cerca de 40% do valor que paguei. Números que não significam mais nada pra mim. Há dois anos comprei uma bicicleta e venho experimentando em doses homeopáticas o aparente desafio de viver sem ter um carro na garagem à disposição 24 horas por dia. Você perde algumas coisas: não dá pra ir ao supermercado preferido sempre, não dá pra viajar pra qualquer lugar a qualquer hora. Você ganha muitas coisas: o prazer de voar, nem que seja só aos domingos, sobre as duas rodas da magrela; as horas de leitura e descanso entre uma cidade e outra sem precisar dirigir; uma dose extra de saúde, bom humor ...